quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

À procura de Esperança

O pássaro despertou logo cedo, com o barulho dos que viviam ali desde que invadiram seu espaço sem muita educação ou pudor. Incomodava-lhe o fato de que os sons e ruídos que eles faziam, de certa forma tão repulsivos, abafassem o dom que lhe invadia a alma e saía em forma de canto. Entristecia-lhe essa coisa de se acostumar com o infame, como se o feio fosse mais encantador que o belo. A ordem se invertera. E isso o assustava. Ele precisava sair dali, voar um pouco além do lugar comum, quem sabe ir a busca de realidades melhores...

- Como se isso fosse possível! – Ele pensou. Em sua mente havia certa descrença, contudo ele voou alto. Acima dos motivos errados. À procura das razões certas para continuar acreditando na beleza da vida. O pássaro subiu à colina mais alta que pôde e pousou. Descansou um pouco, olhou para baixo e começou a assistir tamanha diversidade de escolhas. Sim, escolhas. Ele já havia pensado nisso, que as pessoas são todas iguais e o que as diferencia é o que elas escolhem. Além do mais, o ambiente era o resultado das escolhas de todas essas pessoas que fazem parte dele. Do alto ele podia ver como um todo, no que as diferentes escolhas resultava. Como as ruas e estradas, os rios, mares e lagos interligado formam um único desenho visto de cima, assim era a cidade. O que antes era só o azul do mar, agora era manchado de preto brilhante. O que era pra ser verde contrastado de cores vivas, agora era cinza depois de queimados. - Eles pintam os prédios que constroem sobre as cores naturais, e chamam isso de belo. Argh! – Pensou com um tom de repúdio.

Apesar de indignado, ele resolveu descer até lá e sobrevoar a cidade, por entre as altas construções e o que sobrava da natureza. E ao chegar mais perto ele se assustou um pouco mais. Percebeu que, por mais bem iluminadas fossem as cidades, quando se estava na rua era como estar preso numa caverna escura cheia de ursos ferozes. Não havia como sentir confiança alguma. Não se ouvia sons encantadores, apenas ruídos ensurdecedores. E o pior de tudo: Não havia um sequer que parecesse incomodado com tudo aquilo (pelo menos que ele tenha visto). Logo então o pássaro subiu novamente, chorando, inconformado. Foi subindo desorientado, pensando em como os humanos puderam entregar a vida, o deslumbrante, sublime e fascinante em troca de um modo de viver tão indigno e fracassado. Ainda era tarde do dia, mas para ele tudo escureceu de repente. Sem perceber, o pássaro havia entrado em um andar de um prédio em chamas. Era tudo fumaça e fogo. Ele tossiu, tentou resistir, mas perdeu as forças e caiu.

Algum tempo depois, talvez algumas horas, o pássaro acordou assustado. - Será que fui pego pelo sombrio mundo dos humanos? Onde eu estava quando apaguei? – Ele pensava e piava incessantemente, como uma criança indefesa. Ou como aquela criança, do sombrio mundo dos humanos, que o resgatara daquela terrível situação. Aquele inocente e desbravado garoto de apenas dez anos de idade, que o viu entrar no cômodo de onde estava sendo resgatado, batendo asas e desesperado para encontrar a saída. O garoto já estava na porta, no colo de um bombeiro (que também tenha o seu mérito), quando percebeu aquele pássaro perdido e indefeso e se deu conta de que o seu resgate não era mais digno que o resgate do pássaro, afinal, os dois estavam perdidos, os dois eram indefesos, e os dois mereciam a vida.


O menino olhou para o pássaro e percebeu, no fundo daqueles pequenos olhos brilhantes, que o medo e a insegurança tomavam conta daquela criaturinha tão graciosa. – Você não merece isso. Eu não posso deixar que essas coisas ruins tomem conta do seu coração. Venha aqui que eu vou te dar um abraço. – O garoto pegou aquele pequeno pássaro que quase cabia na sua mão e, de alguma forma, o abraçou delicado e firme ao mesmo tempo. Então ele sussurrou para o bichinho: – Eu ouvi falar que um abraço expulsa tudo aquilo que há de ruim dentro de nós, mas isso é um segredo dos fortes, ok?! - E o passarinho confiou. E o amor agiu. E o medo, a insegurança, a descrença, tudo aquilo se fora...

O pássaro agora tinha um dono que o amava, que o deixava livre. Um dono muito maior do que ele, de um amor tão puro que o constrangia. Assim ele percebeu o quanto estava equivocado em relação aos humanos. Havia esperança sim. Ainda existia alguma luz como a essência que diferencia os homens. Não é porque a maioria está cega que a beleza perdeu o seu valor. Não é porque acreditam na mentira que a verdade deixou de ser digna de toda crença. Vale a pena acreditar uma vez. E mais uma. E sempre. Porque, assim como o garoto reconheceu que os dois eram igualmente dignos da vida, existe alguém por quem vale lutar. Existem aqueles por quem não se pensa duas vezes para entrar no fogo e resgatá-los. Se olharmos ao redor, veremos, e teremos a chance de escolher. Nesse conceito o passarinho estava certo. O que nos diferencia é as escolhas que fazemos. E veja bem: Para ele o que diferenciou o menino de toda a cidade foi a sua decisão de escolher o amor. E o pequeno voador, agora totalmente novo, esperava que muitos aprendessem com o seu novo dono a escolher o amor todos os dias. O seu nome agora era Fênix. E sua força, a esperança.